“Memórias em prosa de uma Piraquara do século passado: a corrida dos gibi!”

A linha Piraquara Curitiba era de hora em hora sob o revezamento do seu Aníbal e seu Ataíde, pioneiros no vai e vem pela estrada do encanamento, rota mensal da insólita caça ao tesouro. A mina: as bancas de jornais e revistas. O tesouro: gibi!

Guri solto, garimpava pela rua das Flores em meio a um leque de opções. Revistas em quadrinhos foi um filão muito bem explorado tanto na efervescente criatividade de seus criadores quanto no financeiro das editoras, e em posse da gurizada, viraria moeda de troca. Nos intervalos do ginásio o câmbio clandestino corria solto pela quadra e corredores, e encerrado o recreio, para os mais afoitos o desafio era intercalar um exemplar no meio do livro e começar sua leitura em plena sala de aula. Não raro, dado o flagrante, um ponto a menos na média e o confisco para o acervo da secretaria.

Era comum a troca de gibis nas casas. Quanto maior a caixa, mais variedades a espalhar pelas salas e varandas. Tinha de tudo! De super heróis à fauna da Disney, de Stan Lee à Maurício de Souza. Era uma festa!

Curitiba ainda era a fonte renovável e inesgotável, e após mais um garimpo, a ostentação de tirar da mala um exemplar novinho do “Heróis da TV”, um “Disney Especial” ou um “Fantasma”, o espírito que anda, era a felicidade plena.

Na Quintino Bocaiúva, atual Elizeu José Hipólito, em frente a casa da dona Guinéfa, o Jacaré e seu irmão abriram um ponto de compra, venda e troca na garagem de sua residência. O movimento e negócio perdurou até o fim do estoque, que no afã de seus consumidores teve curta duração.

No armazém dos Souza, além do agradável cheiro do café torrado e moído na hora, em seu salão colonial tinha uma gôndola de gibis. Desejo de consumo, a mesada de 1 cruzeiro convertido em 5 moedas de 20 centavos não era o suficiente para tamanha aquisição.

Já no final dos anos 70, quando pulsava vida na estação de trem, para a alegria dos aficionados abriu-se uma revistaria. Ali tinha à disposição o exemplar em tamanho gigante da “luta do século”, um embate do Super Homem versus Homem Aranha. Passou pelas mãos, porém perdeu- se pelas incontáveis trocas.

Enfim, no início dos anos 80 num lampejo “Iluminista” a primeira banca de revista. Na praça Chaffi Boazar, ao lado do ponto de ônibus e da antiga prefeitura. Proeza vanguardista do Emma. Hoje não leio mais gibi, quiçá um livro de vez em quando para manter vivo o hábito de leitura e o ritual de molhar a ponta dos dedos no virar das páginas também foi ficando pelo caminho.

Os heróis também são outros. Os dos gibis, cobiça de outrora, hoje são artigos de sebos e colecionadores. A eles devo a poesia lúdica e o gosto pela leitura. Os heróis de verdade de vez em quando me visitam pelas viagens no tempo num certo “super mestre de linha” em seu vagonete turbo socorrendo um descarrilamento na serra, ou num super professor Franciscano, no imaginário comparado ao “Falcon”, com seu guarda pó branco e seu giz certeiro nos oreiúdos desatentos, afinal entre análises sintáticas e morfológicas havia um gibi no meio do livro.


Por Edson Francisco de Arruda

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