Justiça e Carisma Passionista


O tema da justiça resulta hoje absolutamente prioritário para a ação pastoral da Igreja e para nós, Passionistas. Experimentamos, à luz da fé, que ser cristão e conviver com a injustiça resulta em um escândalo e uma contradição. Quando o luxo de alguns poucos se converte em insulto contra a miséria das grandes massas, rompe-se o plano do Criador, desrespeitando a honra que lhe é devida (cf. Puebla, nº. 28).

Nesta angústia e dor, nos defrontamos com uma situação de pecado social que nos interpela a atitudes proféticas e transformadoras à luz de nosso carisma, na defesa da vida. O seguimento de Jesus implica retidão, honestidade, integridade, vivência e testemunho dos valores vividos por Jesus e deixados como herança a seus discípulos e discípulas. A fé cristã não se harmoniza com a hipocrisia, com a corrupção e a desonestidade.

Vivemos em um contexto marcado pelo desgaste das palavras sem ressonância, pela saturação dos discursos vazios que não nos atingem porque estão desconectados de um testemunho edificante. Cristãos que não se definem em suas posturas, incapazes de assumir com coragem e coerência as consequências de uma fé comprometida, coniventes com um sistema injusto, muito pouco têm a contribuir com a construção de um outro mundo possível, conforme o projeto original do Criador.

E nós, Passionistas, de que lado nos posicionamos? Nossa fidelidade ao Carisma Passionista se concretiza no compromisso pela justiça. É fruto de uma contemplação do Crucificado, o Justo do Pai, incompreendido em suas posturas e lutas pela defesa dos pequenos e injustiçados de seu tempo, injustamente condenado à morte.

“O sentido da morte de Jesus o deu Jesus e o Pai. Isto porque Jesus assumiu a morte dentro da lógica de sua vida. Morreu pelas mesmas causas pelas quais viveu.”
(Delaney, Eugênio. In: A Cruz – Teologia e Espiritualidade, 1983, pág. 129)

Seu crime foi dizer a verdade, denunciar a situação de exploração, a exclusão, os preconceitos, a hipocrisia das autoridades, a incoerência e a má vontade daqueles que podiam fazer a diferença.

“Eu vos fiz ver tantas obras belas que vinham do Pai. Por qual dessas obras quereis apedrejar-me?” (Jo 10,32)

E nós, somos capazes de denunciar as situações que estão tirando a vida de nosso povo? Nosso compromisso com a justiça tem fundamento teológico. Não se trata apenas de uma opção, de um ato de boa vontade, mas de algo que brota de nossas entranhas, de nossa fé no Deus bíblico, revelado por Jesus.

“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10,10)

Para que haja vida em plenitude, é necessário ter acesso aos recursos básicos, às fontes de sustento fornecidas generosamente pela mãe terra e que, infelizmente, por egoísmo e ambição de alguns, não chegam a todos os seus filhos e filhas. Os mesmos são excluídos de participar do grande banquete da vida digna, que compreende respeito a seus direitos fundamentais: acesso às políticas públicas, à moradia, alimentação, educação, segurança e saúde.

Sem justiça não há solidariedade, partilha, fraternidade, inclusão. Assumimos posturas em favor da vida? Revelamos o rosto compassivo e misericordioso do Pai? A justiça é elemento essencial na realização do plano do Criador. Praticar a justiça implica no reconhecimento da dignidade de todas as pessoas criadas à imagem e semelhança de Deus, que gozam da mesma vocação e destinação divina.

Faz-se necessário reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos:

“…qualquer forma de discriminação nos direitos fundamentais da pessoa […] deve ser superada e eliminada porque contraria ao plano de Deus. […] as excessivas desigualdades econômicas e sociais entre os membros e povos da única família humana provocam escândalo e são contrárias à justiça social, à equidade, à dignidade da pessoa humana e à paz social e internacional.”
(Gaudium et Spes, nº 29)

Estamos convictas(os) de que a essência do seguimento de Jesus Crucificado implica em trabalhar pela justiça, pela paz e pelos direitos humanos? Praticar a justiça do Reino é condição prioritária para dar visibilidade ao nosso ser passionista em meio a uma realidade de crucificados.

Neste contexto marcado pelo desrespeito, pela ambição, pelo consumismo, pelo individualismo, pela fragilidade das relações descartáveis, somos convocadas(os) a sermos fermento, sinal e profecia de comunhão, de fraternidade, de solidariedade.

“Ninguém acende uma lâmpada para cobri-la com uma vasilha ou colocá-la debaixo da cama. Ele a coloca no candeeiro, a fim de que os que entram vejam a luz.” (Lc 8,16)

Como Passionistas, somos desafiadas(os) a dar mais visibilidade à nossa opção de vida.


Uma visibilidade maior de nossa identidade está associada ao estilo de vida que assumimos: um estilo essencial conduz mais facilmente ao ser “fermento” e a tornar-se “presença profética”. A Palavra do Senhor incomoda: “Levanta-te”. Vá contra a mentalidade dominante, o comodismo excessivo, a atitude hipócrita, a injustiça, a ânsia do poder, o egoísmo, o fechamento no pequeno e no calculável.

Faz-se necessária a coerência de vida, o testemunho de um novo estilo de vida baseado na sobriedade. A cultura da sobriedade e a ética do limite são opções fundamentais para a construção de uma sociedade sustentável. A sobriedade nos faz olhar o mundo com o olhar dos pobres e do lado dos pobres. O estilo de vida sóbrio devolve à pessoa uma atitude desinteressada, livre, gratuita.

A visibilidade é inerente à profecia da vida religiosa passionista. Necessitamos fortalecer, resgatar a profecia, para aprofundarmos o sentido de nosso carisma; enfraquecendo a profecia, ocultaremos o verdadeiro valor de nosso carisma, isto é, o seu potencial transformador.

Uma vida passionista fundamentada nos alicerces da Justiça e da Paz torna-se um verdadeiro sinal dos tempos neste mundo carente de valores, de significado, de comunhão, de integração, de acolhida, inclusão, envolvimento com as causas humanitárias e sociais.


Irmã Célia Aparecida Baú, CP


Compartilhe este artigo!