“Jesus, olhou para ele com amor e disse: ‘só uma coisa te falta…’” (Mc 10,21)
A itinerância de Jesus é um contínuo convite a sair de nossos espaços atrofiados para encontrar a Deus nos outros, e entrar em sintonia com o coração d’Ele. Deus nos espera “fora do acampamento” ou seja, fora do nosso controle, de nossos lugares seguros e confortáveis, dos espaços que escondem sua presença e onde estão presentes o medo, a desconfiança… “Fora do acampamento” Deus nos desvela quem somos, quem são os outros e quê missão quer nos confiar. “Fora do acampamento” estão os diferentes com seus questionamentos e interpelações, com suas alegrias e medos, seus desejos e sonhos…
Foi na estrada, “quando Jesus saiu a caminhar”, que um homem rico chega correndo e se ajoelha diante dele. Jesus se detém, acolhe a pergunta que lhe é feita e inicia uma conversação, abrindo, assim, um espaço de confiança para que o “apressado” partilhasse suas inquietações, a pergunta pelo sentido de sua vida.
O homem correu ao encontro de Jesus de maneira inesperada; e Jesus não inventou desculpas para esquivar-se dizendo: “tenho que ir a outro lugar”, “todos me esperam”, “estou cansado”, “volte amanhã” … Com este simples gesto de se deter e não passar ao largo, Jesus mostra sua acessibilidade e comunica ao homem rico que se interessa por ele, que não é insensível à sua busca, que assume sua realidade.
Embora a pergunta do homem rico esteja muito centrada nele mesmo – “que devo fazer para ganhar a vida eterna? – Jesus percebe que há uma busca inicial, um desejo incipiente, e abre para ele um caminho que, a partir do reconhecimento de todo o bem que há nele, adentra-o em novas veredas. Assim deixa transparecer o seu olhar: “olhou-o com amor”.
O homem conhece bem a Torá e viveu segundo seus preceitos. Jesus não diminui o valor de sua experiência, mas vai mais fundo, convencido de que tudo o que acontece está grávido de sinais da presença d’Aquele que sempre busca o ser humano. Encontra os pontos de apoio nos quais o homem pode se apoiar para dar um salto de crescimento no amor. Viver os mandamentos não é o suficiente, mas é um bom ponto de partida, através do qual Jesus irá conduzindo-o para dentro, ajudando-o a conectar-se consigo mesmo, a escutar o chamado de vida que pulsa em seu coração e “dar à luz” o sonho de Deus nele.
O que faz a grande diferença neste relato é a maneira de olhar. E o olhar de Jesus é um elemento essencial nos relatos de encontros com as pessoas nas estradas da vida; através de seu olhar inspirador, Jesus as mobiliza, desperta nelas seus melhores recursos, vincula-as a um projeto de serviço, abre para elas um futuro esperançador e transforma radicalmente a existência delas.
O encontro com o homem rico é também um chamado, um convite ao discipulado, mas que não será acolhido. Neste encontro, Jesus “fixou nele seu olhar e movido pelo amor a ele”, o convidou a segui-lo. O olhar intenso de Jesus se expressa nos dois verbos principais, “amou” e “disse”. Não é um olhar qualquer, mas um olhar atravessado pelo amor e estreitamente vinculado a um projeto de futuro.
No encontro com o homem rico, o intenso olhar de Jesus tem tal qualidade que Ele captou toda a realidade do outro desde o primeiro momento. Ao fixar seu olhar no interior daquele homem, Jesus lhe propõe deixar seu modo habitual de viver, e o convida a adentrar-se em outra maneira original de viver, que irá aumentando ao ritmo do amor recebido e oferecido.
O olhar nasce e se nutre do amor. E Jesus olha sempre com olhos claros e limpos, com olhos de ternura e de acolhida. O homem rico encontrou graça aos olhos de Jesus, ou seja, reconheceu-se como filho amado do Pai.
O relato de Marcos realça a qualidade do olhar de Jesus: olhos que comunicam proximidade, que se inclinam e abaixam para amar; olhos que transmitem doçura e amor, capazes de aquecer, cuidar e acalentar a vida; olhos que abrem um espaço de humanização e reconhecimento. Olhos que se nutriram infinitas vezes nas entranhas misericordiosas de Deus: “O Pai me ama” (Jo 10,17).
Contudo, no relato do evangelho, assistimos ao bloqueio do desejo daquele que primeiramente se ajoelhou aos pés de Jesus chamando-lhe “Bom Mestre”. Ele parecia ter tanta sede sincera de encontro com Jesus e vinha cumprindo os mandamentos desde a sua juventude. Contudo, na hora decisiva, ele preferiu a segurança e a proteção dos seus bens e não a aventura aberta de um viver na confiança, com a disponibilidade que uma tal relação espera de todos nós.
Ao confrontar-se com a proposta ousada de Jesus, o homem rico vai embora entristecido e desolado. É incapaz de confiar em Deus da forma como Jesus lhe sugere. Aproximou-se de Jesus com alegria, mas as riquezas “afogaram as palavras”. Queria de verdade dar resposta ao desejo que levava dentro, “ganhar a vida eterna”, mas, para isso Jesus lhe convidou a dar um salto. O homem, no entanto, frente à ousadia da proposta que Jesus lhe faz, decide não se lançar.
Texto bíblico: Mc 10,17-30
Na oração: Dois caminhos se abrem diante de nós, os mesmos daquele homem rico: apegar-nos ao que temos e somos ou entregar a Ele a bússola e o mapa de nossa vida; continuar na insegurança ou confiar que as perdas podem ser ocasião de ganhos, mesmo que não cheguemos a entender nem por que nem como.
Quem sabe, preferimos investir nas ações do “eu” e seus poderios, que prometem falsos benefícios, mas, com o passar dos anos, essas ações se desvalorizaram e descobrimos que suas promessas eram falsas.
– “Estamos abertos às surpresas de Deus? Ou nos fechamos, com medo, à novidade do Espírito Santo? Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que a novidade de Deus nos apresenta ou nos entrincheiramos em estruturas caducas, que perderam a capacidade de resposta”? (Papa Leão XIV)
Irmã Ailda B. Klüppell, CP
Centro Educativo Passionista Maria José
Av. Getúlio Vargas, 224 – Centro – Piraquara – PR
Fone: (41) 3673 – 2477


