Memórias em prosa de uma Piraquara do século passado: breves lembranças de um hospital e um posto de Puericultura

Por Redação 3 min de leitura

Nas marcas do tempo muitas ficaram na bolha do esquecimento, outras mantém-se vivas e teimosas em insistentes lembranças. As marcas das chineladas e cintadas do menino arteiro que escapava prá nadar, caçar passarinho e pular cerca prá pegar frutas ainda estão lá, prá endireitar o negrinho. Como tatuagem, as pistoladas das vacinas no posto de Puericultura estão gravadas no braço. Os choros, o barulho da pistola disparando a agulha, o álcool no algodão com o cheiro de agorinha. O posto que combatia a rubéola, sarampo, catapora e caxumba era o mesmo que afagava a criançada com papai Noel distribuindo bolas, bonecas e doces no Natal. Sortudo, peguei os seis: bola, doces, e a “pipocarada” das quatro irmãs virulenta. A vacina não impediu, amenizou!
No complexo da saúde tinha um gigante, orgulho da cidade. No centrinho, bem pertinho, ao lado da linha, vizinho a barbearia do seu Santo Gaio.
Movimentado, aos Domingos era como um passeio de final de semana. Na entrada um aquário chafariz era o cartão de visita, uma sala de espera ao ar livre. Entre colunas, a recepção. Duas horas o tempo de visita, criança não entra! Na parede regras a cumprir. Porém, para um piá inconformista valia o risco para um beijo na Nona hospitalizada. Um descuido e subia serelepe as rampas de acesso aos leitos. No paradoxo da enfermidade, os quartos eram um verdadeiro “pic nic”. Entre o beijo da arriscada visita e a bença da despedida ainda dava tempo prá uma boquinha. Descia realizado escorregando pelas enceradas rampas com o cheirinho da sopa da janta infestando os corredores.
Ainda fresco na memória o mural azulejado na parede de Jesus Cristo embaixo de uma vistosa árvore afagando uma criança enferma no colo da mãe. Retrato fiel de um hospital que enquanto existiu honrou o verso do hino de uma Piraquara hospitaleira. Acolheu e cuidou de sua gente e região ao longo de cinco décadas.
Já acima de seus sessenta anos, exposto e criticado, agoniza moribundo entre suas gigantescas instalações, na penumbra de seus corredores, na distopia do presente do século XXI.
Quanto ao posto de Puericultura, resistiu ao tempo, conservado, vizinho de luxo entre a Igreja Matriz e o grupo Escolar Manoel Eufrásio, sem mais pistoladas, agora uma creche, a CMEI Pingo de gente.

Por Edson Francisco “Kalunga” de Arruda.

Gostou? Compartilhe!