“Dois anos sem Paulo Silva, o poeta!”

Texto de 11/12/2022 em memória ao amigo e escritor Paulo Silva:

Numa manhã chuvosa de sábado, 26/11, passado das 11, próximo do meio dia foi a minha última experiência física com um dos caras mais inspiradores, humanista, polêmico, sábio e generoso que a coexistência me presenteou.

Aquele cerne alto, forte, de barba branca, com sua pala de lã e chapéu deu lugar ao homem em repouso, com muitos quilos consumidos pelo desgaste dos anos que todo ser vivo um dia há de passar; sem exceção; como um bilhete para uma próxima estação.

Dividindo a atenção com o jogo da copa que assistia até a quebra do gelo de “aí beleza, como tá?” foram alguns minutos para sair da formalidade natural destas visitas fora de rotina.

Entre uma pergunta e outra a conversa foi evoluindo, o controle da TV foi ficando de lado e a prosa; a que seria a derradeira; tomou corpo, como as de outrora pelas noite a dentro.

Perguntado se estava mantendo o hábito da leitura, disse que não; perguntei se ainda estava com algum texto em andamento, também não, sem clima para inspiração, com o dedo indicador em riste para cima “estou indo, o Homem me quer lá, Ele quer, mas sou teimoso, Ele me conhece!”.

Pausa, aquela baixada de cabeça e para quebrar o segundo gelo a iniciativa foi dele, e como não poderia de ser deu aquela espezinhada no presidente, com sorrisos e aquela esperança de mudança que tanto tretou com os amigos por aqui, assunto que rendeu ótima resenha.

Esgotado este tema, veio à tona o falido Paranito, e com isto o terceiro gelo. Desta feita quebrei com aquela rivalidade lá dos anos 80: ele Pinheiros, eu Colorado, um rico em patrimônio e o outro só torcida, e nesta linha fomos mapeando no que deu de errado numa trajetória tão vitoriosa do time da Vila. Conclusão: caímos na política novamente e sua ferida, a corrupção! Pausa pro cafezinho servido pela família, veio o silêncio do quarto gelo. Fiquei na minha; deixei prá ele. Desviou a atenção pro jogo e eu ali, tomando café.

Até que solta esta: “agora só bebo água”, resignado pelas circunstâncias. No embalo perguntei se era hipertenso, “sim, mas pressão sob controle com um comprimido pela manhã”; e diabete, tem? Aí entra a espiritualidade e a genialidade do poeta, do escritor: ” pô bicho, você não acha que um cancerzinho já não tá bom, tem que ter diabete também?” seguido de risos, pois este era o seu forte, sair das sinuca de bico da vida com humor, elegância, ironia. Outros temas fortuitos rolaram, permeados entre pausas e risadas.

Chegada a hora do abraço final, ele enfim levantou e me acompanhou até a porta da saída. Dificilmente esquecerei aquele abraço, a energia, o afeto, a amizade, que hoje está lá, guardado a sete chaves na leveza da alma.

Paulo Silva , seu Beatlemaníaco, “Yesterday” agora será junto com o John; as suas declamações poéticas naquelas saideiras intermináveis agora serão com o próprio Fernando Pessoa; Helena Kolody te aguarda para aqueles Haicai e suas redondilhas; Paulo Leminski na espera para uma saideira literária; a velha guarda do Clube União em festa para aquela peleia de bocha; o Berta, o Caveira e o Flores para uma trucada; o Gordo Alfredo para aquele churras de quarta. Sásirva meu velho, fica minha gratidão pelos ensinamentos, convívio, pela escola literária, poesias, sonetos e crônicas que tanto me encantou com os seus mais variados temas: dos amores perdidos, dos divertidos apelidos, do cotidiano, da infância, do amor pela natureza, da exaltação da nossa cidade. Citando um poeta latino-americano, “morrer é fechar os olhos para ver melhor”; e concluindo com Frei Leonardo Boff, “Agora vê Deus face a face”, descanse na paz da “Réquiem de suas Borboletas”!


Por Edson Francisco de Arruda

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