Calvário: referência martirial

“Ele não tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo e assumiu a condição de servo tomando a semelhança humana” (Fil. 2,6s).

O caminho da cruz foi assumido e mostrado por Jesus de Nazaré. Sua vida foi clara expressão de amor misericordioso de um Deus apaixonado, capaz de morrer gerando vida, Ele assumiu nossas dores, nosso pranto, nossa miséria e se fez no Calvário o Deus Solidário. Lembrava Dom Luciano Mendes de Almeida, que Jesus morreu entre dois ladrões. Sua Cruz não é a cruz do isolamento, mas da compaixão, da comunhão com os miseráveis de todos os tempos.

Na história da Igreja percebemos que até Pedro, que negou Cristo na cruel hora da Paixão, pode pela fé merecer a glória da conversão e receber a coroa do martírio. Como Pedro, todos os discípulos passaram pela cruel realidade do martírio, onze deles pelo martírio cruento e João o discípulo amado pelo exílio na ilha de Patmos. Paulo o perseguidor convertido e Estevão o servidor fiel, receberam igualmente a coroa do martírio.

Foram longos anos de martírio na Igreja primitiva, por dois mil anos o sentido martirial vem perseguindo homens e mulheres no seu “sim “corajoso. Figuras com Irmã Doroty, pela causa da justiça evangélica; Francisco de Assis pela pobreza; Paulo da Cruz pela mística e outros tantos vivenciaram o martírio com a nobreza de seu único e grande significado: “o mistério do calvário”.

Nos tempos atuais são muitos os mártires. A Igreja reconhece o testemunho de fé dos batizados que lavam suas vestes no sangue no Sangue do Cordeiro. A vida é para ser vivida pela causa do Reino. Por esta causa vale a pena dar a própria vida, a exemplo do “maior Homem do mundo”.

O que fundamenta o martírio é o Amor, sem o qual a morte se torna uma loucura, um escândalo. O próprio apóstolo Paulo em sua carta aos Coríntios 13,3b, fala da primazia do amor: “Ainda que eu entregasse o meu corpo às chamas, se eu não tivesse o amor, isso de nada me adiantaria”.

Nós hoje, cristãos batizados, devemos nos perguntar: Por quem eu, nós morreríamos se necessário fosse? A resposta mais convincente vem imediatamente das mães. Elas de fato morrem por seus filhos, porque amam verdadeira e gratuitamente. Amam porque entendem que a felicidade reside na doação “ágape”. Há outros tantos que se calam no silêncio de sua fragilidade, por ainda não amarem convertidamente, sentindo- se pequeninos diante de um longo caminho “para o calvário”.

Amamos imperfeitamente. O próprio Paulo fala da prática do mal que não quer e da dificuldade em praticar o bem que quer. Fala da luta que o ser humano trava no cotidiano de sua existência: a luta entre o “velho homem” e o “homem novo”. Só Deus ama perfeitamente porque somente Ele é o Amor. Não coloca limites, nada exige para nos amar.

Confiantes no amor de Deus caminhamos. Deus nos ama como somos na certeza de que, pelo amor, nos tornaremos como Ele quer que sejamos. Ele tem paciência e sabe esperar! Paulo faz esta maravilhosa experiência de Deus: “Estou crucificado com Cristo, já não sou eu mais quem vive, é Cristo que vive em mim”.

A felicidade reside em viver a vida como missão tendo Jesus como modelo e único ideal, amando a Igreja como “mãe e mestra”. Qualquer que seja a missão recebida; qualquer a função que executemos, qualquer trabalho que desempenhemos sempre podemos ser felizes. Convençamo- nos de uma coisa: não é o que fazemos, não é onde realizamos o nosso trabalho o que nos traz a felicidade. O que nos dá a verdadeira felicidade é o ideal que vivenciamos. Ideal é aquele algo maior que nos estimula a “ser” colocando vida naquilo que fazemos.

Deixemos Cristo ser tudo em nós. O que importa não é o que realizamos, mas o que deixamos que Ele em nós realize. Vida é missão, missão de amor e de intensa doação. Quando se tem amor “tanto faz construir uma catedral como descascar batatas”, “estar na Europa ou na América”, tudo é relativo, só não se pode relativizar o Supremo Sacrifício do Calvário.

Que Maria a Mãe das dores e da esperança ajude-nos a permanecer de pé junto à cruz do seu Filho Jesus, até o dia em que atingirmos a estatura de Cristo para com Ele, nEle e por Ele sermos crucificados, por amor, só por amor.

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